Lendas de Portugal 4 (lendas de Chaves)

A lenda das duas 

Quando reinava o imperador Tito Flávio Vespasiano, as legiões romanas chegaram vencedoras à Ibéria, atravessando as regiões da Galiza e de Trás-os-Montes. Porque a terra era fértil, fixaram-se nesta última província, começando a construir estradas e pontes. Ora, tendo os Romanos uma autêntica devoção pela água, grande foi a sua alegria quando descobriram «águas quentes jorrando da terra». Construíram logo aquedutos e um grande tanque onde se iam banhar, conseguindo curas fantásticas por intermédio dessas águas medicinais. Tal foi a sua fama, que chamaram à cidade ali construída Aquae Flaviae. Tão progressiva se tornou, que o próprio imperador Tito Flávio Vespasiano colocou aí como procurador um seu primo, o jovem Décio Flávio, então comandante da Legião Sétima.
Certo dia, o cônsul Cornélio Máximo recebeu em Roma uma mensagem do jovem Décio Flávio, e achou por bem falar sobre isso com a sua filha Lúcia.

Era manhã ainda e o Sol estava forte. Envolta num manto leve que lhe ocultava o rosto, Lúcia encaminhou-se rapidamente para o aposento onde o pai a esperava. Mal a viu, o cônsul foi ao seu encontro:
— Lúcia, não ignoras decerto que o primo do nosso imperador, Décio Flávio, se encontra em Aquae Flaviae, uma nova cidade de que dizem muito bem.
Lúcia baixou a cabeça, para logo a levantar num assomo de energia. Respondeu, tentando serenidade:
— Bem o sei, meu pai. A última vez que vi Décio Flávio foi nas vésperas da sua partida, no palácio imperial.
Franzia as sobrancelhas a um rápido e angustioso pensamento. Perguntou aflita:
— Aconteceu-lhe alguma coisa?
O cônsul sorriu e serenou a angústia da filha:
— Não! Décio Flávio está cada vez melhor! A sorte acampa com ele. No entanto, ele está preocupado.
— Porquê?
— Preocupado contigo, minha filha!
Lúcia sentiu bater muito forte o coração.
— Comigo?... É grande honra para mim...
O cônsul voltou a sorrir. Lúcia procurava que o pai não a olhasse de frente, para não ver o seu nervosismo. Mas já o velho Cornélio se aproximava, obrigando-a a olhá-lo face a face. Perguntou:
— Lúcia! Que se passa entre os dois?
Cada vez mais confusa, a jovem mentiu:
— Nada, meu pai. Décio tem uma bonita carreira à sua frente. Merece uma mulher bonita... além de rica!
— E tu... não és formosa?
A jovem mordeu os lábios. Baixou de novo o olhar para que o pai não notasse o seu grande sofrimento. Depois, respondeu numa voz emocionada:
— O pai bem sabe que já fui bela! Mas hoje... com estas feridas na cara e nas mãos...
Calou-se. As lágrimas soltaram-lhe dos olhos e exclamou, chorando:
— Oh, meu pai! Porque me atormenta? Porque me fala em Décio Flávio e me obriga a falar da minha doença?
— Porque ele enviou-nos hoje um mensageiro.
A jovem deixou de chorar.
— Um mensageiro?... Para quê? Que diz ele?
Pausadamente , o cônsul apresentou um objecto que ainda não mostrara, e explicou:
— Décio manda-te de presente esta caixa forrada de seda e contendo duas chaves de ouro.
A jovem ficou admirada.
— Duas chaves?... Para mim?
— Sim, minha filha. São chaves simbólicas, segundo o mensageiro explicou.
A ansiedade da jovem Lúcia ia crescendo.
— Meu pai... mas... que simbolizam essas chaves?
— Saúde... e amor!
Lúcia levou uma das mãos ao peito, como se tivesse recebido uma pancada. As lágrimas voltaram-lhe aos olhos. A sua voz soou emocionada:
— Amor!... Amor, talvez, porque o amo desde que nos encontrámos numa tarde de corridas. Mas a saúde... a saúde... quem poderá oferecer-ma?
As lágrimas corriam pelo rosto chagado de Lúcia. O cônsul exclamou, firme:
— A saúde, oferece-ta Décio Flávio!
Ela meneou a cabeça.
— Não, ele não poderá ver-me assim! E eu não consigo curar-me!
O cônsul Cornélio acariciou um dos braços de sua filha. O seu estado de amargura enternecia-o.
— Ouve, Lúcia, quero que saibas tudo. Décio, na sua mensagem, oferece-me um lugar em Aquae Fluviae, para que assim tenhas a possibilidade de tomar os banhos dessas águas extraordinárias e encontres a cura para os teus males. Oferece-te, pois, as chaves da saúde… e do amor!
Ela voltou a menear a cabeça, sempre chorando.
O cônsul continuou:
— No entanto, se não quiseres sair de Roma, só terás que devolver-lhe essas duas chaves. O seu mensageiro parte amanhã, levando ou não essa lembrança que Décio Flávio te enviou. Decide, pois!
Lúcia mordeu os lábios, sem saber que dizer. Por fim olhou o pai.
— Não sei que pensar... Tem a certeza que Décio Flávio disse tudo isso?
— Queres ouvir o próprio mensageiro? Não acreditas na minha palavra? Lúcia caiu em si.
— Perdoe-me, meu pai! Nem sei o que digo!
— Porque choras, então?
Ela sorriu por entre as lágrimas.
— Porque Décio Flávio continua a pensar em mim!
— E isso é motivo de choro?
— Também se chora de alegria. Contudo...
— Contudo, o quê?
— Flávio merece melhor sorte! Já não sou a mesma que ele conheceu e amou!
— Recusas a sua ajuda?
Ela afligiu-se.
— Oh, não!
— Que digo, nesse caso, ao mensageiro?
Lúcia ficou uns momentos pensativa. Depois, resoluta, declarou:
— Pai! Diga ao mensageiro de Décio Flávio, que partiremos o mais rapidamente possível!
Alguns meses passaram. Obtida a necessária licença do imperador Vespasiano, Cornélio Máximo seguiu com sua filha para a então famosa Aquae Flaviae, uma das mais florescentes cidades do Império, na Península. Duas semanas depois de chegarem, Décio Flávio foi visitar os seus amigos, mas Lúcia recusou-se a aparecer. Ficando sós, Décio e o cônsul, este dirigiu-se amistosamente ao procurador.
— Muito agradeço, Décio Flávio, o teu convite e a honra da tua visita. Lúcia e eu jamais esqueceremos o teu gesto!
Décio sorriu.
— O que fiz não deve ser agradecido, pois foi no meu próprio interesse.
O cônsul olhou o seu visitante.
— Queres explicar-te melhor?
Décio respondeu num tom quase malicioso:
— Cornélio Máximo! Para um homem inteligente como tu não serão necessárias mais explicações. Bem compreendeste o que pretendi dizer.
Sorriu também o cônsul romano, e retorquiu no mesmo tom:
— E ao extraordinário Décio Flávio não será necessário dizer mais para que compreenda o meu propósito.
Décio com elegância e exclamou:
— Sempre o mesmo bom e prático cidadão!
Deu dois passos pelo aposento. Tornou-se de repente sério e, voltando-se num movimento decidido, falou no seu ar conciso: a
— Verifico que queres ouvir o que não cheguei a dizer senão na intimidade do meu pensamento: um pedido formal de casamento para tua filha Lúcia.
Cornélio concordou:
— É isso mesmo. Queria saber da tua boca se estás disposto a casar com ela agora... e livre de qualquer compromisso por causa da sua doença.
Décio encarou o cônsul romano.
— Amo Lúcia e sempre a amarei! Ela vai curar-se, estou certo! Mas, seja qual for o resultado do tratamento, o meu pedido manter-se-á. Onde está ela?
— Recusa-se a aparecer enquanto não estiver curada.
— Pois diz-lhe que desejo falar-lhe imediatamente.
Nesse mesmo instante uma cortina do fundo abriu-se, e a jovem Lúcia entrou com o rosto velado. A sua voz era pouco firme ao dizer:
A sua voz era pouco segura ao dizer:
— Décio Flávio... aqui estou!
O jovem romano voltou-se. A sua surpresa era evidente:
— Lúcia! Porque trazes o rosto coberto por um véu?
— Porque ainda não estou bem.
— E porque não vieste logo?
— Porque não tencionava ver-te! Mas ouvi a tua voz… essa voz que cantava sempre dentro do meu peito as últimas promessas trocadas antes de partires... e não resisti à tentação de te ver!
Ele agarrou-lhe os pulsos, pois as mãos estavam cobertas por ligaduras.
Lúcia... minha Lúcia! Quantos banhos já tomaste desde que chegaste aqui?
— Seis.
— E sentes melhoras?
— Se as não sentisse, já teria regressado a Roma. Não me perdoaria, privar-te de uma mulher bonita! Devem existir por aqui muitas beldades desejosas de merecer-te!
Ele apertou-lhe os pulsos e murmurou:
— Bem sabes que és a mulher mais bela de Roma!
Ela tentou protestar.
— Exageras...
— Lembra-te de que o próprio imperador o dizia. Tu serás minha e só minha!
Ela meneou a cabeça, com aflição.
— Não, Flávio! Só quando estiver curada!
— O que será muito em breve!
E acariciando-lhe os cabelos através do véu:
— Faremos um grande festim e daremos largas à nossa felicidade!
A poucos passos, o cônsul Cornélio Máximo lembrou a sua presença:
— Bem... Já que se esqueceram de mim, aproveito para ir dar umas ordens.
Lúcia protestou:
— Pai, fique connosco! Décio Flávio é nossa visita...
Maliciosamente, o cônsul retorquiu:
— Décio Flávio fica bem entregue. Farás com dignidade as honras da casa a tão importante hóspede. Eu não me demorarei.
E saiu. Ficando sós, Décio Flávio tentou ver o rosto da jovem. Ela recuou apavorada:
— Não, Décio Flávio! Não quero que em ti fique a mínima recordação desagradável a meu respeito!
— Desejava tanto ver a luz desses teus olhos tão belos, que enchiam a minha alma!
— Não! Perdoa-me, mas pouco tempo faltará! Estou quase curada e a ti o devo!
— Pois seja, meu amor! Mas, pelo menos, permite que t venha ver mais vezes. Preciso de ouvir a tua voz, já que me falta a luz do teu rosto!
— Ver-te e ouvir-te é o que mais ambiciono na vida. O teu amor por mim é parte da minha cura! E, já agora, deixa que te comunique quão feliz me tornou aquela caixa tão bonita, forrada de seda e contendo duas chaves em ouro: duas chaves simbólicas que dizem bem do teu carácter e da sorte que tive em ter-te agradado!
O jovem romano acariciou mais uma vez os cabelos da sua bem-amada e pediu: 
Lúcia, guarda essas duas chaves por toda a nossa vida!
Lúcia concordou:
— Assim farei! E se possível for... que elas fiquem por toda a eternidade contando à gente vindoura o que pode um verdadeiro amor!
Esta é a origem do nome da cidade que hoje conhecemos, Chaves!

Comentário:
Olá tudo bem? Bom, para começar eu tenho uma coisa muito séria para vos dizer: Não vou poder continuar a publicar conteúdos novos todos os dias para vocês, pois eu tenho um bebé de 2 anos que precisa muito de mim e além disso eu não estou a conseguir consolidar o blog, com o meu dia-a-dia fora da internet, acabo por deixar minha família de lado e até o cuidado com a minha casa!
Não vai haver conteúdos todos os dias, mas vai haver conteúdos aqui no blog o máximo de vezes que eu puder, isso vos garanto!
Agora vamos lá aprofundar o nosso conhecimento á cerca desta lenda lindíssima, que eu aliás adorei muito, e sobre esta cidade igualmente bela.
Logo no começo deste texto lendário, uma das coisas que se fala é do imperador Tito flavio César Vespasiano que viveu de 39 d.c até 81 d.c. Não deixo de querer aqui referir, que este imperador, nasceu muito pouco tempo depois de Cristo ser morto, ressuscitado e subir aos céus e que muito provavelmente durante o seu reinado matou vários cristãos. Mas como o nosso Mestre nos ensinou, não o vamos julgar por isso! Aliás os seus sucessores foram mil vezes piores em relação aos cristãos do que este homem. Tudo o que sabemos de bom deste homem é que ele deveria ter uma mente extraordinária, tendo mandado fazer muitas construções para bem da saúde pública.
Voltando ao que interessa! Pelo que vocês já puderam ver, muito provavelmente esta lenda passou-se entre 39 d.c e 81 d.c e próximo a estas datas, os romanos ocuparam Trás-os-Montes e descobriram as riquezas termais da cidade que hoje conhecemos pelo nome de Chaves. A ponte romana de Chaves (ou ponte do trajano), só veio a existir durante a administração do imperador Marco Úlpio Nerva Trajano, entre 98 d.c até 117 d.c
Neste texto lendário, fala-se num amor, um amor que de uma certa maneira era "muito complicado de acontecer" porque para muitas opiniões daquela época, (provavelmente a doença desta jovem era lepra, doença que fustigava muito naqueles dias) algumas doenças eram vistas como obra do pecado, do diabo ou então alguma maldição dos deuses. A medicina não era como nos dias de hoje, as doenças propagavam-se com mais facilidade e por isso, muitas vezes as pessoas eram expulsas das próprias casas e obrigadas até a pedirem para sobreviver pois havia o medo de sofrer da doença também e o medo de sofrer da maldição dos deuses ou de Deus (no caso dos cristãos e judeus da altura).
Muito possívelmente, o caso desta moça era de falta de auto-estima também.
Este texto trás mais uma vez, á tona a prova do que eu disse na última publicação mas por outras palavras, Chaves é uma cidade mística! Onde se viveram grandes acontecimentos, incluindo amorosos. Esta lenda é uma lição de vida muito importante para os dias de hoje, para ensinar a muitos casais que o amor verdadeiro, nunca desiste!
Venham a Chaves quando este maldito vírus passar e me procurem! 
Muitas bênçãos! 😘

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